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O ensino sobre o protagonismo é decisivo para a formação de uma sociedade antirracista

Atualizado: 27 de mar.

*Jussara Prates


Passados dos quinhentos anos da chegada dos portugueses em solo brasileiro ainda nos deparamos numa realidade de controvérsias, antagonismos, polaridades e segregação. Chegamos ao ponto em que tomamos cuidado para não falar nada que possa gerar divergências, discussões e reflexões. Ora, mas como iremos avançar como sociedade e nação se simplesmente deixarmos de falar sobre questões ou temas relevantes e “incômodos”? Precisamos (re)tomar nosso senso humano, com vistas a contribuir positivamente para formar um país, no qual todos os brasileiros se sintam orgulhosos, respeitados e acolhidos, independentemente da cor, gênero ou classe social.


Sim! Precisamos falar sobre respeito, preconceito, racismo, segregação racial e sobre todos os prejuízos sofridos quando essas questões afloram. Se revisitarmos a história do Brasil veremos que, ao longo de gerações, os negros que sucederam à época de escravidão sofreram diversos níveis de preconceito. Lembremos, ainda, que após a abolição eles compunham grande parte da população e não foram inseridos nas políticas públicas de desenvolvimento do território nacional. Milhares de ex-escravizados e seus descendentes foram deixados à margem, literalmente marginalizados, enquanto o Brasil continuava a receber milhares de imigrantes, rapidamente acolhidos e cooptados pelo processo econômico agrícola exportador do país.


As consequências desse abandono social e marginalização cultural foram danosas ao longo de muitas gerações. Por isso, é necessário que o prejuízo desse processo histórico seja reduzido através de políticas públicas, que promovam o desenvolvimento integral da sociedade brasileira, sem preconceito, sem racismo, homofobia e misoginia. Neste sentido, compreende-se que a luta pela igualdade e preservação da cultura afro-brasileira, contra a desigualdade social, contra todas as formas de racismo que contemplam a exclusão no mercado de trabalho, no acesso a cultura e no cenário acadêmico, devem ser contínuas e deve ter o engajamento de todos.


Sim! A luta deve ser diária, assim como para todos os brasileiros, ignorar ou negar os preconceitos que assolam o Brasil é inaceitável e deve-se enfatizar o diálogo e a reflexão, com vistas à transformação social e cultural. A imensa contribuição e influência afro na composição da nossa brasilidade faz do racismo uma imbecilidade, uma ignorância. Influências como o Samba, Carimbó, Maxixe, Maculelê, Maracatu, a utilização de instrumentos variados, com destaque para Afoxé, Atabaque, Berimbau e Tambor. As expressões corporais nas formas de dançar, tanto as formas tradicionais quantos os estilos mais contemporâneos, como o samba-reggae e o axé baiano. Além da capoeira que é uma mistura de dança, música e artes marciais, tendo sido declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2014. A sonoridade brasileira é africana.

Além disso, a contribuição na culinária, tendo introduzido o uso das panelas de barro, o leite de coco, o feijão-preto, o quiabo, dentre outros. Apesar de serem mais conhecidos da culinária baiana, preparados com azeite dendê e pimentas, devemos lembrar que as mulheres escravizadas domésticas foram alterando sabores e introduzindo temperos aos pratos dos senhorios. Ao alterarem e adaptarem receitas trazidas da Europa foram aos poucos dando autenticidade e criando a culinária brasileira com destaque ao uso da carne-de-sol ou charque, além dos doces de pamonha, cocada e, é claro, o mais brasileiro de todos os pratos: a feijoada de feijão preto.

Outras contribuições importantes percebemos no sincretismo religioso os quais uniram aspectos do cristianismo às suas tradições religiosas, sendo o culto a Iemanjá um dos principais exemplos.


Tratar uma temática tão complexa como a história do negro no Brasil é um exercício de busca nas nossas principais raízes culturais, nas quais estão inseridas grande percentual da população brasileira.


O fortalecimento desta construção identitária passa pelo trabalho de reconstrução do seu lugar social, marcado por múltiplas rupturas e traumatismos na trajetória de sua própria história. E, principalmente pela mudança no ensino, onde dever-se-ia ensinar mais sobre os diversos protagonismos desta importante etnia.


Durante a escravidão, os negros procuraram resistir ao cativeiro das mais diversas formas: sendo a formação de quilombos e irmandades religiosas as mais comentadas.


Após a abolição da escravidão, espalharam-se por todo o Brasil vozes que ecoavam a luta de Zumbi dos Palmares. Em todos os recantos, de norte a sul do país, surgiram os quilombos como forma de resistência e visando demonstrar a insatisfação do negro diante da liberdade sem reconhecimento do trabalho no cativeiro por mais de três séculos.


Hoje, a ideia de quilombo remete aos grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência, na manutenção e reprodução de modos de vida característicos na constituição de um território próprio. Outras formas de resistência menos comentadas e quase desconhecidas, devido a “invisibilidade” do protagonismo dos negros no Brasil, embora visíveis no dia a dia, foram empreendidas com muito talento, precisão e obstinação. Podemos ver isso nas obras de Aleijadinho, maior expoente do barroco brasileiro, nasceu escravo por ser filho de mãe escrava, em 1730. Muito se fala sobre as suas obras, mas pouco se ensina sobre o homem e artista cujo protagonismo rompeu paradigmas, sim ele era negro e se esta característica não fosse omitida? Certamente teria inspirado milhares de gerações de brasileiros. Lembremos, como se conta a história é sempre uma escolha.


Maria Firmina do Reis, escritora e professora nascida em 1822; André Rebouças, engenheiro e ativista político, nascido em 1838; José do Patrocínio, farmacêutico e político, nascido em 1853; Nilo Peçanha, o primeiro negro Presidente do Brasil, nascido em 1867; Pixinguinha foi músico, compositor e arranjador, nascido em 1897; Antonieta de Barros foi professora, jornalista e deputada, nascida em 1901; Carolina de Jesus, escritora, nascida em 1914; Milton Santos, cientista geógrafo, um pesquisador respeitado e estudado em diferentes países, ainda é pouco estudado no Brasil, considerando a relevância da sua obra, nascido em 1926. Entre outros protagonistas da arte, da ciência e do jornalismo e da política temos Machado de Assis que foi escritor, jornalista e poeta, nascido em 1839. Sem dúvida um expoente da literatura luso brasileira.


E se isso não for o suficiente para mudar conceitos e olhares sobre a questão do racismo, convido-os a revisitar as obras de artistas que retratam o Brasil e verás o registro iconográfico da grande contribuição como força de trabalho e aplicação de técnicas de engenharia no desenvolvimento do Brasil. Sugiro começar com as obras de Debret.

Precisamos (re)estudar a história do Brasil e compreender os desdobramentos no processo de miscigenação e especificidades que formam o povo brasileiro. É preciso desarmar-se dos “pré”-conceitos e estigmas e valorizar o ser humano como único e essencial para o fortalecimento da sociedade, da história e da memória coletiva, resultando em reflexões relevantes para desenvolver sentimentos de pertencimento e de brasilidade. O racismo não faz sentido!

Lembremos que a forma como contamos a história é sempre uma escolha, ela pode ser excludente ou inclusiva. Qual é a sua?





* Jussara Prates é escritora, pesquisadora e produtora cultural, transita em diversas áreas da cultura com obras publicadas sobre educação, projetos escolares, educação antirracista, história, história de municípios, literatura, diversidade e educação para o patrimônio. Ativista pela democratização e acesso à cultura é defensora da educação para o patrimônio como forma de valorização e apropriação do patrimônio cultural como elementos geradores de cidadania e identidades. Foi membra  do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Rio Grande do Sul, trabalhou na área da Gestão da Cultura, foi uma das idealizadoras e Diretora do Museu e Arquivo Municipal de Portão. Coordenadora dos processos de tombamento do primeiro Patrimônio Natural, o Pinheiro Multissecular e do primeiro Registro de Patrimônio Imaterial, o Festival Internacional de Folclore e uma das Curadoras do Memorial Histórico do Parque do Imigrante, todos em Nova Petrópolis/RS. Foi Diretora de Cultura e Secretária Adjunta de Educação, Cultura e Desporto de Nova Petrópolis. É Conselheira de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, participou como conselheira da 6.ª Conferência Estadual de Cultura e representou o CEC /RS na 4.ª Conferência Nacional de Cultura em Brasília, atuando ativamente na construção da Política Nacional de Cultura. Atualmente exerce a função de secretária da Diretiva do Conselho Estadual de Cultura/RS. **Historiadora, Bióloga, Conservadora e Restauradora de Acervos, Pós -graduada em Gestão de Arquivos; Supervisão Educacional; Coordenação Pedagógica; Ecologia e Desenvolvimento Sustentável; Botânica; Zoologia e Diversidade, Cultura e Etnicidade

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